Você está se comparando com a pessoa errada
Comentários sobre o filme "Um Homem Diferente" + reflexão sobre o Instagram
Todos nós queremos ser alguém. Mas e se já somos alguém, mas não aceitamos quem somos?
Recentemente, assisti o filme “Um Homem Diferente”, do dir. Aaron Schimberg e da produtora A24. Minhas impressões são as que estão no título deste texto: Edward, o protagonista, quebrou a quarta regra para a vida, e isso o fez miserável.
Aqui eu quero mostrar como no nosso trabalho de marketing – seja para nossos negócios ou negócios de terceiros – podemos quebrar essa regra também, arriscando perder o sentido do nosso trabalho ou inclusive da nossa própria vida.
Vou fazer alguns comentários do filme (com spoilers) e também vou explicar qual é essa “Quarta Regra”, além de trazer no final uma série de conselhos que eu gostaria ter recebido para ser um melhor profissional quando comecei uns anos atrás a trabalhar com a escrita publicitária.
Edward, um homem diferente
Começamos o filme conhecendo a Edward, um homem com neurofibromatose e sente que sua vida é um caos devido à condição notória e espantosa.
Quando ele senta no vagão, as pessoas rejeitam ele com o olhar como se estivessem frente a um saco de lixo fedido. Edward sabe, não é idiota, mas prefere se fazer de idiota e ignorar os olhares ao redor.
É como se ele tivesse que abraçar o seu destino porque não tem outra escolha. No filme, isso é representado de várias maneiras. Por exemplo, o teto está mofado com cheiro desagradável e pingando água preta. A mancha é pequena no começo do filme, mas chega um momento que é enorme, tornando-se um buraco insuportável e preocupante. Edward aceita a mancha, não faz nada por mudar ela até que é tarde demais.
Por outro lado, vemos como uma simples máquina de escrever vai daqui pra lá, mudando de dono com aparente desdém, mas eu vi ela como uma representação do coração de Edward, que vai sendo transformado e pisoteado várias vezes ao longo do filme.
Edward conhece sua vizinha, Ingrid, e ela tenta fazer amizade com ele. Coquette, chique e casual, intimida ao Edward e entendemos que é a primeira vez que uma mulher se aproxima tanto dele. Edward é ator, a Ingrid é roteirista de peças de teatro, então há um ponto de conexão entre eles para começar a desenvolver essa amizade. Só que Edward não quer amizade. Percebemos a decepção quando descobre que Ingrid tem namorado e como ele quer mostrar os seus trabalhos de atuação (por exemplo: um treinamento em vídeo para escritórios com funcionários fisicamente deficientes).
Não sabemos nada do passado do Edward, nem ele parece contar nada para Ingrid. Só sabemos que ele perdeu a mãe e trabalha como ator. É solitário e sempre está à defensiva. Anda de ombros caídos, costas encurvadas e um olhar triste, além de um tom de voz escondido no seu rosto deformado. Sei que parece que estou insultando ele, mas é assim como ele mesmo se vê no espelho.
Pelo visto, ele está buscando uma forma de mudar seu rosto com cirurgias estéticas, mas o médico oferece uma solução arriscada e nova no mercado: um amigo dele está desenvolvendo uma droga que acelera a curação em feridas e a promessa seria de Edward ter o rosto completamente normal, sem a neurofibromatose.
Edward decide entrar no tratamento, e acompanhamos a transformação, com a pele caindo (literalmente) até ele surgir com um rosto novo e fresco.
Um homem diferente.
Ele não acredita. Agora o mundo vai aceitar quem ele é. Parece um adolescente descobrindo coisas novas, pois já não tem os olhares das pessoas. Não sente o desprezo dos outros. Mas segue sendo um canalha inseguro com baixa autoestima. Daqui a pouco conto mais sobre por que usei esses adjetivos, pois me recuso a usar “coitado”, já que o próprio filme nos faz rejeitar a ideia dele ser um coitado.
Os primeiros 30 minutos do filme são para nós entender quem é Edward e o mundo onde ele vive. Quando ele passa pela transformação e tem o seu novo rosto, as coisas parecem ir para um rumo melhor.
O filme não dá explicações, e eu gosto disso. Vamos ao que importa.
Depois do procedimento radical, nesses dias chega um senhor procurando pelo Sr. Edward, que mora no 4F, para consertar o buraco mofado do teto.
O homem gato e bonito que abre a porta reage como se ele sempre tivesse morado ali, mas o senhor diz que ali morava outra pessoa. Nós sabemos que o senhor tem um desconcerto genuíno, porque o cara da cara deforme não é o mesmo lindão que está falando com ele.
Dá uma certa frustração não conseguir falar com os personagens do filme para eles fazerem as perguntas certas, no mínimo.
Uns minutos mais tarde, chega o médico que está atendendo o caso do Edward.
Estou procurando pelo Sr. Edward Lemuel, está por aqui? Faz uma semana que não temos notícias dele.
Ah, sim, sim… ele morreu.
O quê?
Sim, sim… morreu. Sou amigo da família. Me chamo Guy*1.
E… o que aconteceu? Tem funeral?
Não, não, sim, ele foi cremado. Horrível. Coisas que passam.
E como foi?
Acho que foi suicídio. Hum. Sim. Isso mesmo.
Suicídio? Ele nunca nos falou que estava depressivo.
Não sei, cara. Suicídio. Depressão. Era difícil saber quem era ele.
Do outro lado, a Ingrid está ouvindo a conversa. E depois temos um salto no tempo.
Até aqui, não temos explicações, e algumas resenhas do filme falam que era necessário ter essas explicações.
Eu discordo. O filme vai mostrando como um homem parece diferente, mas termina sendo igual por dentro, se não fosse por ele quebrar a Regra 4 para a vida.
Até aqui acredito que temos suficiente contexto para entender qual é essa regra 4. Preciso passar para o próximo tema deste post, no final tudo vai fazer sentido.
A regra 4 das 12 regras para a vida
No livro “12 Regras Para a Vida”, Jordan B. Peterson, psicólogo clínico e escritor canadense, explica quais seriam 12 mantras que toda pessoa deveria seguir para ter uma vida minimamente decente.
A regra 4 diz:
Compare a si mesmo com quem você foi ontem, não com quem outra pessoa é hoje.
Esta também seria “A Regra do Instagram”, segundo ouvi do
, porque ela se encaixa perfeitamente em como devemos lidar no nosso trabalho como criadores de conteúdo e profissionais independentes.No Instagram, no YouTube, no Substack, em qualquer rede social, você sempre vai ter a sensação de que está perdendo tempo porque outra pessoa – com outras circunstâncias, outro contexto – está se saindo na frente de você.
Não importa se eu já sou fluente em 3 idiomas, se sou nativo do espanhol, se estudo em inglês e se meu trabalho de escrita seja em português: vou ter a tendência de me comparar com quem parece ganhar mais dinheiro do que eu porque sabe viralizar com piadas na internet.
Não importa se eu trabalhei para mais de 40 nichos com copywriting, sempre vou ficar atrás de quem mostra as plaquinhas de conquista da Hotmart e os N dígitos que ganhou com “mínimo” esforço. Tem anúncios que falam “fazer 30.000 reais é tão fácil que qualquer idiota consegue”. Eu não consigo, pelo menos não do jeito tão fácil que parece ser. Sou um idiota?
Não importa quem eu fui ontem, sempre vou me comparar com quem outra pessoa é hoje.
Jordan B. Peterson fala que esta regra é fundamental para viver uma vida plena e centrada em coisas que realmente vão contribuir para o nosso bem-estar. As outras 11 regras são igualmente interessantes, não acho que haja uma ordem hierárquica entre elas. Por isso, eu diria que esta “regra 4” seria minha “regra nro. 1” a seguir, porque a inveja é um veneno que apodrece nosso espírito lentamente.
Em uma aula do Copycraft com
aprendi que a inveja é uma emoção que mistura seeking2 e raiva, o qual faz total sentido. O invejoso sempre busca ter o que o outro tem, e tem raiva de que o outro tenha o que ele não tem. Você deve ser familiar com o sentimento:Você tropeça com um story sobre a família perfeita do seu influenciador favorito. Ou você sente admiração, ou você sente raiva porque você compara a vida do influenciador com a sua.
Você já tem uma família equilibrada, mas não tem dinheiro suficiente (quando é suficiente?). Então, tropeça com um post do mesmo influenciador onde ele mostra que tudo é graças a Deus e que nada detém a uma pessoa com propósito. Mas você também acredita em Deus. Você sente que está com propósito. Deus favorece mais os influenciadores? Ou o propósito deles é mais forte que o nosso?
Você já tem um conjunto de habilidades que é difícil de adquirir. Por exemplo, não é por me gabar, mas no meu caso acredito que escrevo razoavelmente bem, e isso é difícil em tempos de IA – ainda mais quando o português é meu terceiro idioma. No entanto, sempre, sempre, SEMPRE me pego pensando o seguinte: “e se eu soubesse falar melhor, com menos sotaque, se minha habilidade de escrita fosse 3x superior, acho que não estaria com a conta bancária do jeito que está hoje”.
Viver com inveja é viver amargurado, com o coração partido e arrastando sonhos pelo chão porque o peso da raiva é maior. Soltamos quem somos para pegar cacos de vidro e fingimos que não nos fazemos mal.
A regra 4 é clara: não se compare com o que outro é hoje. Não seja um canalha e ache que, se você estivesse na mesma situação, você faria melhor. Eu não faria. Faria igual ou pior. Sei quem eu sou. Por isso, a melhor régua que tenho é quem eu fui ontem, para melhorar o meu hoje.
Até aqui imagino que você tem uma noção do meu ponto sobre a Regra 4, certo? Agora voltemos para o filme.
Edward conhece Oswald
Quando o bonitão Edward se reencontra com a vizinha, ele sente que tem uma segunda chance para fazer as coisas bem com ela. Claro, para a vizinha Edward não é Edward, senão Guy, e Edward morreu de suicídio.
Como ela está tentando dar certo no mundo do teatro, ela decide honrar a vida do seu amigo e vizinho, criando uma peça que seja baseada em um homem com neurofibromatose que acaba se apaixonando pela vizinha, e o final é um final feliz, com o casal superando as barreiras sociais para serem felizes juntos.
Edward/Guy faz uma audição para o protagónico. E ganha o papel. Você tem que assistir o filme para entender como ele consegue isso, não é inverossímil. Só que chega o rival… um outro homem, com nome parecido, com a mesma doença, mas completamente diferente. Um homem diferente.
O mais curioso é que, na vida real, quem faz de “Oswald” tem neurofibromatose.
E como é a personalidade dele?
Durante a faculdade, investiu em algumas ações e empresas imobiliárias e agora vive de renda, logo, não trabalha.
Pratica jiu-jitsu.
É bom de lábia.
Faz yoga.
Foi casado.
Tem um filho pequeno.
Tem um bom relacionamento com a ex-mulher.
Cuida do filho com carinho.
É extrovertido.
Sabe puxar papo.
Sabe dançar.
Sabe cantar.
Tem amigos em todo lugar.
Tem bons contatos.
Tudo isso é mostrado no filme.
Agora você entende por que Edward quebrou a 4ta Regra: ele não aguentava o Oswald.
Oswald representa todo o potencial desperdiçado que Edward nunca soube reconhecer. Não era sobre ter ou não ter o rosto deformado. A autoestima não nasce depois de passar por um procedimento estético. Nasce depois de aceitar quem somos, e está tudo bem aceitar quem somos. Mas Edward não aceitava, e isso levou ele para uma espiral de caos que, até onde eu vi no final do filme, ele nunca terminou saindo.
Edward se sentia ameaçado por Oswald. Voltou a andar de ombros caídos. Seu rosto mostrava a amargura que ele vivia. Já não era mais o gato lindão, porque, vamos ser sinceros, quem vai ter interesse em um amargurado que só vive reclamando da vida que nunca teve? Oswald, por outro lado, acabou até tendo um filho com a vizinha de Edward! Spoiler! A vida é assim!
O que eu gostaria de ter aprendido?
Ser um homem diferente não é mudar tudo o que somos por fora. Não é comprar um BYD, não é mudar de celular, não é fazer harmonização facial, não é ter dentes mais brancos, não é ter melhores roupas. É mudar o que somos por fora para estar alinhados com o que somos por dentro.
O perigo de ficar comparando quem somos com quem outra pessoa é hoje, é destruir a nossa autoestima e sentir-nos como um parasito que não merece atenção. Bom, nenhum parasito merece atenção. Mas você entendeu o meu ponto.
Se somos consumidos pela raiva e pela irritação de não ter a vida perfeita, o que irá sobrar para quem se importa com nós? Nada, porque nada sobra da inveja, a não ser violência e ódio profundo.
Quando estava trancado em casa por conta do Covid-19, eu não tinha outra opção a não ser aprender com os influenciadores nos stories de Instagram. Por eles, comprei vários produtos de copywriting e marketing, e por isso hoje estou onde estou. Mas estava sentindo que a vida perfeita não era para mim. Imagine, hoje tenho 27 anos, estou trabalhando com marketing desde 2020 e ainda não fiz 100 mil reais limpos pro meu bolso. Fiz para os meus clientes, mas não para mim. Deveria sentir-me frustrado?
Hoje as coisas mudaram. Agora com o boom da inteligência artificial, parece que vai ser ainda mais difícil superar a inveja de uma vida que provavelmente não existe. As pessoas conseguem fingir melhor. É mais fácil ter recursos para aparentar algo que não somos. E você e eu somos ameaçados dia após dia com o apocalipse de “A IA VAI ACABAR COM TODOS OS EMPREGOS!”
No entanto, voltemos aos princípios:
Você deve ter conseguido muito mais do que muitas pessoas. Reconheça o seu mérito.
Se você não sabe fazer nada, chegou a hora de fazer algo. É sexy planejar e nunca executar, porque na imaginação tudo é perfeito.
Você precisa escolher bem os seus modelos, porque se só sente inveja, raiva e desprezo por quem tem mais recursos, você irá sofrer de uma arritmia cardíaca um dia desses.
Procure ajuda, tenha amigos, converse com alguém.
Enfim, era isso o que tinha para falar. Espero que tanto você como eu terminemos sendo diferentes – realmente diferentes.
Eu tinha escrito esta 70% desta newsletter no dia 19/5/25, há mais de um mês, e não sei por que procrastinei tanto para finalizar ela. Também não sei por que parei de publicar há várias semanas. Eu me justificava dizendo que não tinha tempo, mas um marinheiro não se fez expert aguardando pelo tempo perfeito.
Agora estou em vários projetos: uma mentoria de IA, um clube do livro, uma formação em comunicação para especialistas, um podcast, uma agência de reels para negócios locais e eu. Em breve vou ter que abrir mão de algum desses projetos, mas por enquanto tenho que aproveitar que é assim como estou ganhando meu sustento. Por isso, se você se perguntava se tenho espaço na agenda para um serviço que envolva execução, sinto muito, mas não quero passar por uma crise de burnout de novo.
No entanto, estou disponível para consultorias. Parece louco, mas mesmo que eu esteja em todos esses projetos, ainda me sobram umas 3 horas na semana para entregar consultorias – e ainda durmo minhas 8-9 horas todos os dias, sigo assistindo meus filmes e lendo meus livros de boa. Então, se quiser saber como é minha consultoria individual, pode dar um toque que estarei te aguardando. A consultoria pode ser de escrita criativa, de marketing digital, de gestão de negócios, tanto faz. Você decide como eu posso te ajudar. Só não levanto mortos.
“Guy” é como dizer “Sujeito”. Só que é um nome comum em inglês, assim como “João”. É interessante que ele fala que é apenas um sujeito ao mesmo tempo que fala o seu novo nome. “Guy”. Entender isto dá uma camada diferente a como Edward se via a si mesmo.
“Seeking” seria algo como “busca”, mas existe uma palavra para búsqueda: “search”. Já “seeking” transmite a ideia de “correr atrás de”, “ficar buscando algo que falta”, “perseguir aquilo que”. Por isso não encontrei uma tradução fiel que resuma em uma palavra só o que significa “seeking”. Estou aberto a sugestões.
Que texto maravilhoso! Leve ao mesmo tempos profundo e reflexivo. Vou assistir esse filme. ♥️