Por que eu parei de assistir vídeos em 2x
E também uma tentativa de tutorial para você parar de assistir em 2x
Parar de assistir vídeos em 2x foi como parar a cocaína. No começo, meus dedos tremiam e sentia o coração bater mais rápido. A sonolência me perseguia. Ondas de frio e ondas de calor. Queria comer, morder, correr, trepar, brincar e dançar — tudo em todo lugar ao mesmo tempo (igual que o filme). Porém, depois de várias semanas, a calma foi se assentando. Já conseguia assistir vídeos de 5 minutos em 5 minutos. Depois, vídeos de 20 minutos em 20 minutos – ou mais, se eu não pausava no meio e dava um respiro porque era algo novo para mim. Hoje, eu consigo assistir aulas de 2 a 3 horas sem dar pausa. Recuperei o controle.
Assistir podcasts, aulas e vídeos qualquer em 2x parece um superpoder. Eu calculava o tempo que ia demorar para consumir esse ou aquele conteúdo, e dividia por 2.
“Podcast de 1 hora? Assisto em 30 minutos”.
“Curso de 8 horas? Assisto em 4 horas”.
“Vídeo de 5 minutos? Em 2 minutos e meio!”
Era o rei da eficiência. Sempre assistia tudo na maior velocidade possível. E quando descobri que existem extensões para acelerar em 3x ou 4x? BUM! INCRÍVEL!
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Não indico.
Eu me sentia cansado. Adormecido. Com fadiga. Ainda sinto algo disso, estou lutando com as sequelas de uma vida ansiosa. Nunca fui dos caras ansiosos, na verdade. Sempre fui quieto. Minha esposa briga comigo pelas mesmas razões que minha mãe: penso muito pra fazer algo. Mas eu descontava minha ansiedade de outras formas. Não pensava rápido, mas gosto de comer rápido, fazer um passeio rápido, ter as coisas rápido. Acho que por isso sempre estava cansado. Queria a recompensa muito mais do que o processo.
Com o tempo, entendi que o processo era bom, mas tinha um Cristian dentro de mim que gritava “o vídeo tem que ser mais rápido!”
Cheguei ao ponto onde não suportava o ritmo normal da vida. As pessoas falavam devagar demais, e eu queria sempre fazer algo para sentir que estava sendo produtivo. Não sabia, mas estava caindo no que hoje é chamado brain rot.
“Brain rot” (“apodrecimento cerebral”) é definido da seguinte forma:
O suposto deterioramento do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente visto como o resultado do superconsumo de material (particularmente de natureza online) considerado como trivial ou sem nenhum desafio.
– Oxford University Press (tradução livre)
Em outras palavras, é aquele letargo por assistir reels. Aquela fadiga por passar 4 horas no TikTok. Eu estava passando muito tempo nas redes, mas é porque eu trabalho com elas. Porém, meu comportamento estava mudando também: assim como estava consumindo conteúdo de forma rápida, queria que fosse assim com os conteúdos que demandam mais concentração e foco da minha parte.
Por que tanta gente tem dificuldade hoje em se concentrar para tarefas simples? É por causa desse tal de brain rot.
Ninguém se escapa dele. Pelo menos, não dos efeitos imediatos. Se você também sente fadiga depois de passar uma jornada no reels, é porque seu cérebro está hiperestimulado e precisa retornar ao ritmo da vida normal.
Não tenho um passo a passo que resolva o brain rot para você; apenas posso falar do que eu fiz para calibrar meu cérebro a se acostumar a ler livros, assistir aulas longas e parar de assistir tudo em 2x:
Me desconectei das redes por uns 5 meses. Tive uma crise de burnout, então decidi me desconectar de tudo na internet. Não sugiro fazer isso. Ou seja, não sugiro esperar a ter um burnout para sair da internet por um tempo. Preocupei muita gente e isso afetou meu desempenho no trabalho. Qual alternativa teria feito? Ainda não sei, não tenho máquina pra viajar no tempo.
Talvez…
Tivesse desinstalado no celular todos os apps de redes sociais e mantido apenas WhatsApp. No computador, teria os outros aplicativos. Assim, o caminho para acessar a cada rede seria mais difícil, e eu poderia pensar duas vezes se ia perder 2 horas na frente do computador ou na frente do celular.
Procurei ouvir músicas que eu gosto. Eu escuto as músicas em espanhol, inglês e português. Também tenho algumas em francês e japonês. E mais algumas que são apenas instrumental (do gênero “fingerstyle”).
Tenho uma playlist gigante de músicas que quase ninguém escuta do meu círculo. E são minhas músicas favoritas. Quando voltei a escutar essas músicas, foi como um abraço ao coração e ao cérebro. Precisava reconectar com meus gostos musicais.
Voltei a fazer alguns hobbies. Toco violão, desenho, escrevo e leio por prazer – pelo menos antes do brain rot me atacar. Como eu já faço isso, voltei a tocar violão e minha ansiedade se reduziu. Desenhei um pouco, e as ideias começaram a fluir. Escrevia no papel, lia alguns romances, e lembrei o motivo de eu querer ser escritor.
Fui assistindo vídeos longos aos poucos. No YouTube tem documentários e filmes. Eu fui assistindo eles um por um e todos foram um auxílio enorme no meu processo de recuperação. Não tinha que me preocupar em assistir tudo em um dia só. Às vezes, pausava e voltava no dia seguinte. Tudo bem com isso. Eu quero parar de assistir tudo por obrigação e em tempo recorde. Descobri joias escondidas em vídeos que já tinha assistido alguns anos atrás.
Tinha medo de ser como aquele público da Netflix que assiste filmes em 2x. Não queria ser como eles. Ainda tinha o desejo de assistir os filmes na sua velocidade comum. Cara, eu gostei do filme “O Artista” – um filme mudo que ganhou o Óscar em 2011 a melhor filme. Gostei do Ripley, na Netflix. Como ia gostar de acelerar em 2x essas obras? Mas era o risco que estava correndo, porque até a voz da minha esposa estava querendo acelerar em 2x.
Não sei se você está passando pelo mesmo que eu passei há uns meses atrás.
Te sugiro voltar a consumir tudo em 1x, na velocidade da vida real. Ainda mais os conteúdos novos. Se você já assistiu algum vídeo, compensa o 1.5x ou 2x mesmo se for para repassar, mas não faça isso ao seu cérebro.
Precisamos de mais gente pensante, com algo mais a oferecer do que aqueles conteúdos superficiais feitos para te prender na plataforma.
Este texto não saiu como eu queria, talvez pela pressa de publicar ele e mostrar meu ponto de vista e experiência com os vídeos em 2x. Ironias da vida, né?
No entanto, espero tocar este mesmo tema várias vezes durante este ano.
Temos muito que falar sobre o brain rot.
Estou na fase de ficar sem as redes sociais no celular! Apenas WhatsApp e aqui!
Eu também passei por algo parecido!
Durante minha fase de consumo exagerado e desespero pra ser “produtivo”, perdi totalmente o tesão em ler livros com narrativas longas e assistir documentários sobre a vida animal — que sempre foram meus preferidos.
Aos poucos, tô voltando ao ritmo natural da vida e conseguindo consumir melhor as coisa